Onde Jesus estava antes? (João 6:62)

O capítulo 6 do evangelho de João contem dois versículos que estão entre os mais apreciados pela Apologética Trinitariana. O primeiro deles é o verso 38, onde Jesus diz, “Porque eu desci do céu…”. O segundo é o verso 62. Aqui Jesus declara: “Que acontecerá se vocês virem o Filho do homem subir para onde estava antes?” (João 6:62).

Os trinitarianos entendem que Jesus já existia como uma criatura espiritual no céu, pois, segundo eles, ascender para onde estava antes deve significar voltar para o céu, de onde ele veio.

O capítulo 6 de João é uma das principais passagens utilizadas pelos apologistas cristãos para apoiar a crença na divindade de Jesus. Várias declarações feitas por Jesus neste capítulo parecem dar crédito a essa ideia. Tudo se resume nisso: “Jesus afirmou ter descido do céu”.

Em nenhum lugar está registrado neste capítulo que Jesus afirmou ser Deus, mas apenas que ele desceu do céu. A partir disso, a apologética cristã convencional faz uma série de suposições que se baseiam na pressuposição de que Jesus é Deus.

A primeira suposição é que Jesus estava falando literalmente em vez de figurativamente. A segunda suposição é que, ao dizer que ele literalmente desceu do céu, Jesus estava reivindicando a divindade. A terceira suposição é que as pessoas que ouviram Jesus falar também pensaram que Jesus estava falando literalmente em vez de figurativamente. A suposição final é que os doze apóstolos entenderam a afirmação de Jesus de ser Deus e acreditaram nele.

Suposições apenas, que levam os trinitarianos a cometerem inúmeros equívocos com suas interpretações do capítulo 6 de João. O argumento é baseado nos tradutores que escolheram traduzir o grego anabaino como “ascender”; isso fez com que as pessoas acreditassem que se refere à ascensão de Cristo da terra, conforme registrado em Atos 1: 9, mas Atos 1: 9 não usa essa palavra.

Anabaino tem uma série de utilizações, tanto literais como figurativas. Em muitas passagens significa simplesmente ‘subir’. É usado para ‘subir’ a uma elevação mais alta, como escalar uma montanha (Mateus 5: 1; 14:23), de plantas que ‘crescem’ do solo (Mateus 13: 7; Marcos 4: 7, 8 e 32), ou mesmo de apenas ‘subir’, ou seja, “subir” uma árvore (Lucas 19: 4). É usada para Jesus ‘subindo’ a Jerusalém em Mateus 20:17; de fumaça ‘subindo’ em Apocalipse 8: 4; de pensamentos ‘surgindo’ na mente em Lucas 24:38.

Anabaino também foi a palavra usada para descrever Jesus quando ele saiu das águas do batismo no rio Jordão. E como todos sabemos, o batismo é um símbolo de morte e RESSURREIÇÃO.

O versículo em discussão faz uma referência a ressurreição de Cristo. Este fato fica claro pelo estudo do contexto.

Em João 6, Jesus estava simplesmente perguntando se eles acreditariam realmente se o vissem ‘subir’ da terra, ou seja, ser ressuscitado e estar onde estava antes, vivo e novamente entre eles.

Vamos voltar alguns versículos e ler o que Jesus disse: “Muitos, pois, dos seus discípulos, ouvindo isto, disseram: duro é este discurso; quem o pode ouvir?

Mas, sabendo Jesus em si mesmo que murmuravam disto os seus discípulos, disse-lhes: Isto vos escandaliza? E se vocês virem o filho do homem subir para onde estava antes?”

O que escandalizou os discípulos?

Antes de responder essa pergunta, precisamos saber quem estava presente no discurso de Jesus.

Esse ponto, além dos discípulos, envolve também a compreensão da resposta daqueles que ouviram Jesus falar, os judeus, que, simuladamente, tentaram interpretar as palavras dele literalmente.

Os ouvintes do ensino de Jesus em João 6 consistem em três categorias: os doze apóstolos (v. 67), alguns discípulos do grupo maior de seguidores de Jesus (vv. 24-25, 60-66), e ‘os judeus’ (vv. 41-42, 52), que era um grupo de fariseus, sacerdotes e/ou mestres da lei enviados pelo Sinédrio em Jerusalém para observar e questionar Jesus.

A única resposta direta que recebemos à declaração de Jesus sobre descer do céu está nos vv. 41-42, e isso pelos judeus, não os dos outros dois grupos:

Murmuravam, pois, dele os judeus, porque dissera: eu sou o pão que desceu do céu; e perguntavam: não é Jesus, o filho de José, cujo pai e mãe nós conhecemos? Como, pois, diz agora: Desci do céu?”

Isso significa necessariamente que eles entenderam que Jesus estava falando literalmente? Esses judeus, que certamente eram hostis a Jesus, frequentemente distorciam propositalmente as palavras dele, na tentativa de fazê-lo parecer um tolo. Eles tomavam as declarações do Senhor, que deviam ser entendidas figuradamente, e fingiam que ele as queria dizer literalmente, esperando assim fazê-lo parecer ridículo para o povo.

Outros exemplos desse comportamento dos judeus podem ser observados em 2:20; 8:57; 10:33. Até o questionamento de Nicodemos é suspeito quando visto por este ângulo (João 3:4).

É razoável supor que eles entenderam que Jesus estava falando simbolicamente, mas fingiram entender que ele estava falando literalmente.

Esses judeus – a grande maioria deles – não eram tolos sem educação; eles conheciam a linguagem figurativa quando a ouviam. Os rabinos frequentemente ensinavam seus discípulos usando parábolas, metáforas e figuras de linguagem.

Mais tarde, no v. 52, os judeus parecem entender novamente que Jesus está usando figuras de linguagem, mas querem minimizar o que ele está dizendo sobre comer sua carne. Certamente agiram assim para que os outros ao redor vissem Jesus como ridículo. Queriam que entendessem que ele falou literalmente: “Disputavam, pois, os judeus entre si, dizendo: Como pode este dar-nos a sua carne a comer?”

Muito provavelmente eles compreenderam que Jesus estava afirmando ser o Messias, mas não queriam entender tudo o que esse Messias realizaria no plano de Deus; como sabemos, eles se recusaram a aceitar que a vida eterna dependeria desse homem.

No versículo 60, alguns discípulos de Jesus, dizem: “Duro é este discurso; quem o pode ouvir?”

Certamente muitos entendem que essa reação dos discípulos veio a lume devido à declaração de Jesus sobre descer do céu. No entanto, o motivo pode ter sido outro. E é o que veremos agora.

Palavras duras de aceitar

Quando seus discípulos reclamaram que as palavras de Jesus eram muito difíceis de receber (João 6:60), eles não estavam dizendo que não entendiam o que ele dizia. Suas palavras foram difíceis de aceitar precisamente porque entenderam seu significado.

Agora, a que parte da mensagem de Jesus eles estão se referindo especificamente? Não creio que tenham em mente a afirmação de que ele é o pão que desceu do céu. Eles teriam entendido (Mc 4:11) essa linguagem figurada para denotar que ele estava afirmando ser o Messias prometido. Também é possível que eles não estivessem se referindo a declaração de Jesus sobre comer sua carne e beber seu sangue, pois teriam certamente interpretado essas palavras em sentido figurado. O que foi difícil para eles aceitarem foi que ele disse que daria sua carne pela vida do mundo, o que eles entenderam corretamente como significando que ele teria que morrer.

Lembre-se, estes não são os judeus que se opõem a Jesus, e que teriam ficado felizes com a morte dele, mas são discípulos que pensaram que Jesus poderia ser o filho de Davi, que os libertaria do governo gentio para restaurar o reino de Israel.

Exatamente um dia antes, muitos ficaram tão impressionados com o sinal milagroso que Jesus fez que pretendiam declarar Jesus como rei, o herdeiro legítimo do trono de Davi (versículos 14,15).

Quando entendemos que os judeus daqueles dias estavam esperando um filho de Davi a quem Deus levantaria para assumir o trono de Israel, e não alguém que morreria por seus pecados, então podemos ver a dificuldade que esses discípulos teriam quando alguém que eles supuseram que poderia ser este prometido, está falando sobre morrer.

Quando Jesus disse aos doze que ele seria morto, Pedro o repreendeu: “E Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: tenha Deus compaixão de ti, Senhor; isso de modo nenhum te acontecerá” (Mateus 16:22).

Para um judeu no primeiro século, um Messias crucificado e morto não correspondia às suas expectativas (Lucas 24: 18-24), que foram baseadas no que os profetas haviam predito.

Leia com atenção o contexto de Lucas e observe a incredulidade e decepção “escondidas” nas palavras desses dois discípulos no caminho de Emaús:

E um deles, chamado Cleopas, respondeu-lhe: És tu o único peregrino em Jerusalém que não soube das coisas que nela têm sucedido nestes dias?

Ao que ele lhes perguntou: Quais? Disseram-lhe: As que dizem respeito a Jesus, o nazareno, que foi profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo.

E como os principais sacerdotes e as nossas autoridades e entregaram para ser condenado à morte, e o crucificaram.

Ora, nós esperavamos que fosse ele quem havia de remir Israel; e, além de tudo isso, é já hoje o terceiro dia desde que essas coisas aconteceram.

Verdade é, também, que algumas mulheres do nosso meio nos encheram de espanto; pois foram de madrugada ao sepulcro e, não achando o corpo dele voltaram, declarando que tinham tido uma visão de anjos que diziam estar ele vivo.

Além disso, alguns dos que estavam conosco, foram ao sepulcro, e acharam ser assim como as mulheres haviam dito; a ele, porém, não o viram”.

Agora vejam como Jesus os repreende devido à incredulidade: “Então ele lhes disse: Ó néscios, e tardos de coração para crerdes tudo o que os profetas disseram! Porventura não importa que o Cristo padecesse essas coisas e entrasse na sua glória?” (Lucas 24:19-26).

O fato de Jesus ter dito que morreria foi um verdadeiro obstáculo para todos os discípulos. Por isso, a certa altura do discurso em João 6, Jesus perguntou-lhes: “Isso faz com que vocês tropecem?” Ele estava perguntando-lhes se o fato dele morrer era o motivo para duvidarem de que ele é o Messias; e de fato era, pois “desde então muitos de seus discípulos voltaram atrás e não o seguiram mais” (v 66).

O apóstolo Paulo também observou que a morte de Jesus na cruz foi causa de tropeço para os judeus (ver 1 Coríntios 1:23). É por isso que o aspecto principal da pregação apostólica foi a ressurreição de Jesus dentre os mortos.

O que Jesus disse a seguir a esses discípulos em dúvida deve ser considerado no contexto do tropeço deles na declaração de que ele morreria: “E se vocês vissem o filho do homem subir para onde estava antes?” Ele estava garantindo aos discípulos que voltaria da morte!

Milhões de cristãos pensam que ele estava dizendo algo, como: “Ei, se isso faz com que tropecem, espere até me ver subir ao céu”. Porém, eu creio piamente que ele quis dizer algo parecido com isso: “Ei, eu entendo que vocês estão tropeçando com o fato de que eu disse que vou morrer, mas se vocês me verem subir para onde eu estava antes, vivo entre vocês, isso faria muita diferença”.

Portanto, em João 6:62, Jesus faz uma declaração de sua ressurreição, não sua ascensão ao céu. Isso significa que “onde ele estava antes” não é o céu, mas entre os vivos.

Leia as palavras do Senhor pela New Life Version: “Então, o que vocês diriam se vissem o Filho do Homem subindo para onde estava antes?”

A versão New Matthew Bible: “E se vocês virem o Filho do homem subir até onde estava antes?”

A Tree of Life Version elimina completamente a visão de preexistência: “E se vocês virem o Filho do Homem voltando ao lugar onde estava antes?” Isto é, “voltando para o meio deles depois de ressuscitado.

A Amplified Bible, Classic Edition: “Qual então será a reação de vocês se virem o Filho do Homem ascender ao lugar onde estava antes?”

O contexto confirma essa linha de interpretação; Jesus estava falando sobre ser o pão do céu e dar vida por meio de sua ressurreição. Nos versos 39, 40 e 44 Jesus disse repetidamente: “Eu o ressuscitarei [a cada crente] no último dia”.

Cristo ficou surpreso que até mesmo alguns de seus discípulos se ofenderam com seu ensino. Ele estava falando da sua morte e ressurreição, mas eles se sentiram ofendidos. Então, ele perguntou-lhes qual seria a reação deles se o vissem ressuscitado, que tem sido, infelizmente, entendido como “ascender ao céu” no versículo 62.

Incrédulos diante do Cristo redivivo

A atitude negativa dos discípulos poderia alcançar um nível muito maior quando o vissem vivo novamente. E não foi diferente, pois eles não acreditaram nas mulheres que foram ao sepulcro e receberam dos anjos a notícia de que Ele estava vivo.

As mulheres “anunciaram todas estas coisas aos onze e a todos os demais. Mas eles não acreditaram; as palavras delas lhes pareciam loucura” Lucas 24:9,11

Basta lembrar o que aconteceu quando Jesus apareceu pela primeira vez aos discípulos; pensavam ser um espírito desencarnado: “Eles ficaram assustados e com medo, pensando que estavam vendo um espírito. Ele lhes disse: Por que vocês estão perturbados e por que se levantam dúvidas no coração de vocês?”

Vejam as minhas mãos e os meus pés. Sou eu mesmo! Toquem-me e vejam; um espírito não tem carne nem ossos, como vocês estão vendo que eu tenho”.

Tendo dito isso, mostrou-lhes as mãos e os pés” Lucas 25:38-40.

Nem assim creram! Veja o verso imediato: “E por não crerem ainda, tão cheios estavam de alegria e de espanto, ele lhes perguntou: vocês têm aqui algo para comer? Deram-lhe um pedaço de peixe assado, e ele o comeu na presença deles” vv 41-43.

O registro feito por João Marcos: “apareceu aos onze, estando eles assentados à mesa, e lançou-lhes em rosto a sua incredulidade e dureza de coração, por não haverem crido nos que o tinham visto já ressuscitado” Mar 16:14.

Toda essa incredulidade, mesmo após a ressurreição, é simplesmente inexplicável!

O Maná do céu, Jesus, e a Ressurreição

Eu sou o pão vivo que desceu do céu… o pão que eu darei pela vida do mundo é a minha carne” (João 6:51).

“Desceu do céu” é usado neste capítulo para descrever o maná que foi um presente de Deus. O maná não existiu no céu, não é?

O contexto indica que o versículo 62 é parte de um discurso no qual Jesus se compara ao maná que Deus providenciou para Israel. O fato de que esse maná foi referido como “pão do céu” (v. 31) não significa que ele realmente desceu do céu através da grande expansão do espaço para a terra, mas antes que teve sua origem no céu. Da mesma forma, Cristo era de origem divina – “do céu”, visto que o Espírito Santo foi enviado do céu para efetuar sua concepção no ventre de Maria (Lucas 1:35).

Sabemos que o maná apareceu no solo como orvalho e nunca esteve no céu como maná preexistente. Assim como o maná não estava antes no céu literalmente, Jesus também não estava lá literalmente.

Em Êxodo 16:4 está escrito: “Então disse o Senhor a Moisés: Eis que vos farei chover pão do céu…”.

Deus não quis dizer que o maná que ele proveria para o povo viria literalmente do céu, ou seja, da morada do próprio Deus. Não! O maná não estava literalmente no céu e depois foi trazido para baixo, na terra. Em vez disso, nos vv 13-14, somos informados que: “E aconteceu que à tarde subiram codornizes, e cobriram o arraial; e pela manhã havia uma camada de orvalho ao redor do arraial.

Quando desapareceu a camada de orvalho, eis que sobre a superfície do deserto estava uma coisa miúda, semelhante a escamas, coisa miúda como a geada sobre a terra”.

Presumivelmente, esta é a maneira como o maná chegava todas as manhãs durante os quarenta anos que os israelitas vagaram no deserto. Nem uma vez, no resto do Pentateuco, é dito que o maná realmente caiu do céu, embora a cristandade atual insista que Deus disse que faria chover pão do céu.

O que devemos inferir disso é que as palavras de Deus não devem ser entendidas literalmente, mas figurativamente. Um tipo semelhante de expressão usada por Deus é encontrada em Malaquias 3:10: “Trazei todos os dízimos à casa do tesouro, para que haja mantimento na minha casa, e depois fazei prova de mim, diz o Senhor dos exércitos, se eu não vos abrir as janelas do céu, e não derramar sobre vós tal bênção, que dela vos advenha a maior abastança”.

A bênção prometida era de uma safra abundante, ou seja, Deus cuidaria para que suas safras não cessassem, mas produzissem uma grande colheita.

A linguagem das “janelas do céu” sendo abertas e uma bênção sendo derramada é claramente uma linguagem figurativa. Da mesma forma, a linguagem de “chover pão do céu” deve ser entendida figurativamente.

O ponto é que a menção do “pão do céu”, em Jo. 6:31, é o ímpeto para a declaração de Jesus de que ele é o “pão de Deus … que desce do céu”. É razoável, portanto, tomar as palavras de Jesus no sentido figurado, assim como as palavras sobre o maná ser “do céu ” devem ser interpretadas no sentido figurado.

A próxima pista de que Jesus não está falando literalmente é o fato de que ele se refere a si mesmo como ‘pão’, o que é evidentemente uma metáfora. Ele também fala em se alimentar de si mesmo como o ‘pão da vida’, o que, novamente, é uma linguagem claramente figurativa.

O que os apologistas trinitarianos querem que acreditemos é que Jesus está falando figurativamente quando diz ser pão e que precisamos nos alimentar dele, mas que ele está falando literalmente quando diz que desceu do céu. A maioria desses estudiosos são cristãos protestantes, que provavelmente veriam o entendimento literal do catolicismo romano de comer a carne de Jesus e beber seu sangue como ridículo, mas eles garantem que devemos interpretar as palavras de Jesus sobre descer do céu literalmente.

Será que qualquer um desses teólogos, ou qualquer cristão ortodoxo trinitariano, acreditariam que a carne de Jesus estava literalmente no céu e então desceu do céu para nascer de Maria? Certamente não! O ensino ortodoxo é que Jesus recebeu sua natureza humana, ou seja, sua carne, de Maria. Logo, o que foi dito até aqui só pode ser entendido como linguagem figurativa.

Portanto, se Jesus, sendo o pão que desceu do céu, não deve ser considerado literalmente, o que significa exatamente? Simplesmente dizer que o homem Jesus é a provisão de Deus para todos os homens.

Outra forma possível de compreender esta linguagem figurativa é a partir da perspectiva da preexistência não literal. Os antigos sábios judeus consideravam as coisas que estavam no propósito e plano de Deus, e deveriam ser realizadas em algum ponto da história, como tendo uma espécie de preexistência no céu com Deus. Essa preexistência não era literal, mas ideal na mente de Deus.

O teólogo e professor norueguês Sigmund Mowinckel, em seu trabalho intitulado “Aquele que vem, O conceito de Messias no Antigo Testamento e no Judaísmo posterior”, escreveu sobre a preexistência no pensamento judaico:

“… que qualquer expressão ou veículo da vontade de Deus para o mundo, Seu conselho e propósito salvífico, estivesse presente em Sua mente, ou Sua “Palavra”, desde o início, é uma maneira natural de dizer que não é fortuito, mas o devido desdobramento e expressão do próprio ser de Deus. Essa atribuição de preexistência indica importância religiosa da mais alta ordem. A teologia rabínica fala da Lei, do trono da glória de Deus, de Israel … como coisas que já estavam presentes com [Deus] antes da criação do mundo. O mesmo também é verdade para o Messias. Diz-se que seu nome já estava presente com Deus no céu, que foi criado antes do mundo e é eterno. Mas a referência aqui não é a pré-existência genuína no sentido estrito e literal … É uma pré-existência ideal que se pretende … do Messias. É o seu ‘nome’, não o próprio Messias, que se diz ter estado presente com Deus antes da criação.

Em Pesikta Rabbati 152b é dito que:

“desde o início da criação do mundo o Rei Messias nasceu, pois ele surgiu no pensamento de Deus antes que o mundo fosse criado”. Isso significa que desde toda a eternidade foi a vontade de Deus que o Messias viesse à existência e fizesse sua obra no mundo para cumprir o propósito salvador eterno de Deus” p 334.

EG Selwyn em seu comentário sobre 1 Pedro escreveu:

“Quando o judeu desejou designar algo como predestinado, ele disse que já ‘existia’ no céu”.

Emil Schurer em “A História do Povo Judeu na Era de Jesus Cristo”, Vol 2 p 522 escreveu:

“No pensamento judaico, tudo realmente valioso preexistia no céu”

O teólogo católico Karl-Josef Kuschel, na página 218 de “Nascido antes de todos os tempos”, registrou:

“… na sinagoga, um tipo particular de preexistência sempre foi associado ao Messias, mas não o separou dos outros homens. Esta é a preexistência no pensamento de Deus, a preexistência ideal do Messias”

O reverendo Maurice Wiles, professor de Divindade em Oxford, escreveu em “The Remaking of Christian Doctrine”:

“Dentro da tradição cristã, o Novo Testamento foi lido por muito tempo através do prisma dos credos conciliares posteriores … Falar de Jesus como o Filho de Deus tinha uma conotação muito diferente no primeiro século daquela que teve desde o Concílio de Nicéia (325 CE). Falar de sua preexistência deve, provavelmente na maioria, ou talvez em todos os casos, ser entendido na analogia da preexistência da Torá, para indicar o propósito divino eterno sendo alcançado por meio dele, ao invés da preexistência de um pleno tipo pessoal. Agora, quando a coisa que Deus predestinou e prometeu por meio de seus profetas, finalmente se tornou uma realidade no mundo real, pode-se dizer, figurativamente, que essa coisa desceu do céu. Isso certamente se aplicaria no caso do Messias, que era “conhecido de antemão antes da criação do mundo, mas manifestado nestes últimos tempos” (1 Ped. 1:20).

A carne de Jesus – seu corpo – desceu do céu?

No capítulo 6, versículo 51, Jesus diz “Eu sou o pão vivo que desceu do céu”. Jesus não está literalmente afirmando que é o ‘pão vivo’. Ele estava usando a Si mesmo em um sentido simbólico.

Porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo… Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a minha carne [meu corpo], que eu darei pela vida do mundo” (João 6:51,63).

O corpo de Jesus não foi gerado nas dependências celestiais. Se o pão que desceu do céu é a carne/corpo de Jesus, então ele não veio do céu. Seu corpo é terreno; não pode ter vindo do céu.

Seus discípulos parecem não aceitar o que Ele está dizendo e se incomodam – mas Cristo continua com uma declaração mais profunda no versículo 53 “Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos”.

Jesus estava falando sobre ser o pão do céu e dar vida por meio de sua ressurreição e, ao abordar a preocupação deles sobre sua morte (dar sua carne e beber seu sangue para receber vida eterna – João 6: 27-28, 54), e vendo que se ofenderam (João 6: 60-61), então, ele expõe a incredulidade dos discípulos perguntando-lhes se eles também ficariam ofendidos se o vissem “ressuscitar” (dos mortos) e estar onde estava antes, vivo e entre eles (1 Cor 15: 3-8, João 6:62, 66)

Resumo e conclusão

Um dos principais argumentos para a preexistência de Jesus é o entendimento de que Jesus “veio do céu” (“Porque eu desci do Céu” – João 6:38). Então, o que precisa ser investigado é se Jesus veio mesmo literalmente do céu. Como vimos, ele não veio.

A maioria dos versículos usados para provar a “vinda do céu” de Jesus são encontrados no evangelho de João. Essas palavras, e outras como elas, são mal utilizadas para apoiar a ideia errada de que Jesus existia fisicamente no Céu antes de seu nascimento.

Os trinitarianos consideram essas palavras literais para provar seu ponto de vista. No entanto, se devemos interpretá-las literalmente, isso significa que de alguma forma Jesus literalmente flutuou pelos céus. Não só a Bíblia é totalmente silenciosa sobre isso, mas a linguagem de Jesus sendo concebido como um bebê no ventre de Maria perde o sentido.

Em João 6, Jesus está explicando como o maná era um tipo de si mesmo. O maná foi enviado por Deus no sentido de que foi Deus o responsável por criá-lo na terra; não flutuou fisicamente do trono de Deus no céu, como vimos. Assim, a vinda de Cristo do céu deve ser entendida da mesma forma; ele foi gerado na terra, pelo Espírito Santo agindo sobre o ventre de Maria (Lc 1: 35).

Jesus diz que “o pão que darei é a minha carne” (Jo 6: 51). Os trinitarianos afirmam que foi a parte “Deus” de Jesus que desceu do céu. Mas Jesus diz que a sua “carne” foi o pão que desceu do céu. Da mesma forma, Jesus associa o pão do céu a si mesmo como o “Filho do homem” (Jo6: 62), não “Deus o Filho”.

Nada é dito especificamente sobre Jesus ter descido do céu aqui, nem é dito nada que exija que pensemos que os apóstolos acreditavam que Jesus era uma divindade.

O fato deles acreditarem que ele tinha as palavras que conduzem alguém à vida eterna é simplesmente dizer que acreditavam que Deus o havia enviado para pregar a mensagem que Ele lhe deu para falar, e isso é o que Jesus sempre confessou realizar (ver 5:24; 7: 16-18; 12: 49-50; 14:10, 24).

E o fato deles acreditarem que ele era ‘o santo de Deus’? Deve-se observar que eles não disseram: “Cremos que você é Deus, o santo” ou “você é Deus vindo em carne” ou algo similar. Eles confessaram que ele era o santo de Deus, o que certamente implica que eles não o consideravam como o próprio Deus. Ser o ‘santo de Deus’ simplesmente denota que alguém é separado por Deus para uma comissão especial, como pode ser observado no Salmo 106: 16 onde o texto chama Aarão de “o santo de Deus”. Certamente é apropriado que o filho ideal de Davi, o ungido de Deus, seja assim designado.

Portanto, podemos concluir que a suposição de que os apóstolos entenderam e creram que Jesus estava dizendo que ele era Deus vindo em carne não tem mérito algum.

Ao ler o Quarto Evangelho precisamos ter em mente que o próprio João afirmou que ele escreveu para sabermos que Jesus era o filho de Deus, e não que ele era Deus.

João 20-31 diz: “Mas isto foi escrito para que acrediteis que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus; e para que, acreditando, tenhais vida por meio de seu nome”. Não é Deus, o filho, mas o Filho de Deus.

Este Evangelho, como em nenhum outro lugar nas escrituras, usa essa terminologia. Precisamos ler o evangelho de João com o entendimento de que era intenção dele que soubéssemos que Jesus é o filho de Deus.

Deus seja louvado!

5 comentários em “Onde Jesus estava antes? (João 6:62)”

  1. Bom dia.
    Em primeiro lugar, quero parabeniza-lo pelo artigo, supra citado, redimindo qualquer dúvida sobre o verso em João 6 : 62, que, certamente, vem corroendo o entendimento da cristandade por séculos, graças a um sistema religioso corrupto.

    No entanto, minha única discordância é quanto a frase…. ele foi CRIADO na terra pelo Esp.Santo.

    Gostaria de lembrar que os anjos foram criados, assim como Adão foi criado.

    No entanto, Eva não foi criada, mas GERADA a partir do corpo de Adão. Assim sendo, Jesus não foi criado, mas….GERADO pelo Esp.Santo no ventre de Miriam.

    Atenciosamente Kurt Dreyer.

  2. Perfeito! É incrível como a interpretação comumente feita entre os cristãos escondeu o sentido correto das palavras de Yeshua! Ressurreição!

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